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quinta-feira, 19 de julho de 2012


Cris do Morro: “A arte me livrou da guerra”

Cristiano da Silva, o Cris do Morro (foto: Carlos Hauk)
Cristiano da Silva, o Cris do Morro (foto: Carlos Hauk)
Ao entrar no Morro do Papagaio, convencido a matar o autor do tiro que acertou seu irmão numa guerra de gangues, mas dedilhando uma canção, um garotinho lhe pediu para ensiná-lo a tocar. O comovente pedido amoleceu seu coração e o convenceu de que seu lugar era na arte e não na guerra. Essa é uma das histórias que aconteceram na vida do garoto pobre Cristiano da Silva, o Cris do Morro, que, desde criança, sempre trabalhou para transformar a dura realidade em algo positivo para a comunidade por meio de projetos sociais.
Cris mora na comunidade desde os cinco anos. Ainda aos oito anos, compôs a primeira canção. Aos dez, já organizava eventos, como as partidas de futebol entre a “rua de baixo” e a “rua de cima”. Como tinha mais vinis que a grande parte dos promotores de festas do Morro, sempre virava, por acaso, o DJ dos eventos do Morro do Papagaio. Daí, até mergulhar de cabeça na carreira musical, foi um passo. “Quando eu dei por mim, já estava colocando as minhas músicas na rua”, relembra.
Cantando e sempre se mantendo ativo, o garoto cresceu e começou a pensar em iniciativas que valorizassem e promovessem a arte da periferia e, ao mesmo tempo, aumentassem a autoestima da comunidade.
Cris, então, começou a alimentar essa ideia. Em outro episódio, quando um policial arrancou o violão de suas mãos e quebrou o instrumento, em vez de ficar indignado, ele decidiu criar a Associação dos Artistas do Morro do Papagaio. Assim, nasceu a entidade que leva para a favela atividades culturais, discussões sociais e oficinas e, além disso, valoriza os artistas locais.
Casado, pai de três filhos, nascido em 12 de novembro de 1973 e à frente de inúmeros trabalhos de cunho artístico e social, Cris mudou a sua história e deu outra cara à comunidade onde cresceu, o Morro do Papagaio, na região centro-sul de BH. Depois do sucesso de seus projetos, não é exagero dizer que a visão da sociedade em relação à favela e desta em relação a si mesma tem melhorado na cidade de Belo Horizonte.
No lugar do tiro, um disco
Cris é um sobrevivente da guerra urbana gerada pelo comércio de drogas. “Cresci vendo vários amigos, que nunca queriam ser o ladrão [na brincadeira polícia x ladrão], caírem no crime. Meu irmão foi parar no hospital depois de levar um tiro no morro, em uma guerra de gangues. Além
disso, vários parentes meus foram para o tráfico”.
Apesar de viver num ambiente propício ao crime, ele não se corrompeu. Cris atribui uma atitude da sua mãe, criticada por muitos, como o principal fator que contribuiu para afastá-lo da criminalidade. “Sempre que morria uma pessoa na favela, minha mãe nos levava para ver o cadáver baleado e dizia que a causa havia sido a droga. Eu levava um choque. Isso me deu um medo tão grande que eu me afastei desse mundo. Sei que muita gente não acredita, mas com 37 anos, nunca coloquei nem um cigarro na boca, mesmo morando no Morro”, orgulha-se.
Longe da guerra, Cris se voltou para a música e a cultura. Foi um dos componentes da banda Enigma Black, que começou com o rap e depois migrou para o samba-rock e a black music. Em 2000, lançaram o primeiro CD, “O Som da Periferia”, pela gravadora Paradox. Em 2004, veio o segundo disco, “Cris do Morro a Caminho”. Hoje, o artista segue carreira solo cantando música gospel, ao estilo black music.
Paixão pela favela
Cris aprendeu a enxergar a beleza da favela. O brilho nos olhos e a paixão com a qual fala de sua comunidade provam que seu discurso não é só da boca para fora. Hoje, ele mora no Morro do Papagaio não por falta de opção, mas por gostar e acreditar naquele local. “Não adianta nada eu falar que amo a favela e não estar lá. Eu amo o morro e não quero morar em prédio. As pessoas não nos aceitam pela nossa roupa, pelo cabelo, por residir em mansão, e sim por aquilo que a gente acredita”.
Para Cris, o morador de favelas e aglomerados precisa valorizar o seu lugar de origem. E o primeiro passo é mudar o vocabulário. “A expressão comunidade carente é preconceituosa. Acredito em comunidade em avanço. A partir do momento que vejo a mãe acordar cedo, deixar seu filho na creche ou escola e ir para o trabalho, ela já está avançando, pensando na frente. Ela não está em casa deitada, carente”, argumenta.
O músico confessa que até hoje sofre preconceito, mas vence com muito trabalho e fé em Deus. Para quem é contra ou prefere manter distância das favelas, ele deixa o recado: “eu ouço muito as pessoas falarem que é preciso verticalizar a favela. Mas, não é necessário acabar com o morro e sim escutar o que as pessoas de lá têm a dizer. Não há razão para ter medo da favela. Nós somos um povo que acredita demais na nossa comunidade. E, por acreditar na nossa cidade, vamos viver e vamos morrer nela”.
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