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quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Cabelos compridos após os 50 anos: quem disse que não pode?


Quando deixa o salão de beleza, a procuradora do Ministério Público do Trabalho Zulma Veloz não raro percebe olhares de admiração para seus cabelos. Mas o corte com pontas que emolduram o rosto, as luzes feitas regularmente e o leve movimento obtido com uma escova caprichada dizem mais do que ali vai uma mulher vaidosa e que gosta de se cuidar. Os fios que balançam abaixo dos ombros de Zulma e de cada vez mais mulheres acima de 50 anos decretam o fim de uma antiga convenção: cabelo comprido não tem mais idade.
Nas palavras de Zulma, há um recado implícito:
— O que meu cabelo tem a dizer é que sou uma mulher de 53 anos, sexualmente ativa, que me cuido e estou bem com meu corpo, que me sinto livre para o que me faz bem e que não estou preocupada se alguém acha que isso não é próprio para minha idade.
Historicamente, os cabelos de uma mulher representam muito mais do que as preferências estéticas da dona ou o corte da moda. Símbolo milenar de sensualidade e feminilidade, os cabelos consagraram-se como objetos de tentação e desejo no imaginário coletivo, tornando-se alvo de convenções e interdições ao longo dos séculos e em diferentes culturas: da sinhazinha do Brasil colonial, que só soltava as madeixas na intimidade, diante do marido, às muçulmanas que ainda hoje seguem o costume de cobrir a cabeça em público.
O simbolismo do cabelo, contudo não se encerra no jogo de esconder/revelar. Cortar os cabelos já foi uma forma de punição imposta a mulheres de diferentes épocas, um cartão de visitas daquelas que queriam romper com os padrões vigentes e representa, ainda hoje, a demarcação de que a idade está a caminho.
— É como se, ao envelhecer, além de perder a menstruação, as mulheres fossem perdendo também o poder de sedução, e cortar o cabelo seria, simbolicamente, tirá-las desse lugar da sedução - avalia a psicanalista Dorli Kamkhagi, especializada em gerontologia e coordenadora do Grupo de Gênero do Amadurecimento do Instituto de Psiquiatria no Hospital das Clínicas de São Paulo.
Com o aumento da longevidade e a melhora da qualidade de vida que cunharam a máxima de que os 60 são os novos 40, convenções como essa são revistas. A mulher que chega hoje aos 50, destaca a psicanalista, quer estar bem com seu corpo e viver sua sensualidade - e, para algumas, o cabelo pode simbolizar esse desejo. Dorli não fala apenas por experiência profissional, mas também como uma mulher com mais de 50 e longos cabelos pretos bem abaixo dos ombros:
— Há alguns anos, já aos 30, a mulher tinha de cortar o cabelo. Quando fiz 30, todos me perguntavam quando cortaria. Hoje, aos 56 anos, ainda uso os cabelos compridos e não pretendo cortá-los.
Dorli é ainda exceção em seu grupo de amigas, mas os salões de beleza atestam que há cada vez mais mulheres maduras investindo em cabelos compridos. Com mais de 20 anos de experiência, o cabeleireiro Hugo Moser, dono de uma rede de salões que leva seu nome em Porto Alegre, lembra que, quando iniciou a carreira, era raro receber uma cliente madura com cabelos longos, uma situação hoje comum. E para as que têm dúvidas, Hugo costuma repetir a máxima:
— Se o cabelo está bonito, por que cortar?
Não há consenso. Autor de livros sobre visagismo, conceitos e técnicas para a criação da imagem pessoal, o artista plástico Philip Hallawell não considera o costume de cortar o cabelo a partir de determinada idade como uma imposição social e sim como uma questão técnica para buscar o equilíbrio entre peso e leveza. Cabelos abaixo do ombro, explica, pesam o visual: funciona bem para jovens, mas daria a uma mulher madura um aspecto envelhecido e cansado.
— Cabelos compridos não funcionam para quem tem mais de 35, 40 anos: tira a energia e a vitalidade — sublinha Hallawell.
Curiosamente, muitas mulheres apostam nos cabelos longos justamente por se sentirem mais bonitas e joviais. Aos 60 anos, a comerciária aposentada Conceição Esteves não cogita cortar o cabelo porque gosta do que vê no espelho: se sente sensual e moderna. E percebe que outras mulheres de sua idade gostariam de seguir seu exemplo:
— Clientes do salão de beleza que frequento me dizem "Gostaria de deixar meu cabelo comprido como o teu, mas não tenho coragem".
A filosofia da publicitária Flávia Weber, 53 anos, é que em time que está ganhando não se mexe. Então, seus longos cabelos loiros, que chegam quase à cintura, permanecem como sua marca registrada:
— O que mais elogiam em mim é justamente o cabelo. Se fica bem, por que não? Esse cabelo combina com minha cabeça, com meu estilo.
Para a artista plástica Olga Velho, 50 anos, trata-se de uma questão simples: como cada um se sente em cada momento da vida. E ela se sente bem com seus longos cabelos castanhos:
— Não uso porque seja sexy. Eu simplesmente me enxergo de cabelos longos, às vezes, crespo, às vezes, liso, às vezes de trança, depende do meu estado de espírito. Mudo muito, gosto dessa mudança, e meu cabelo mostra isso. A mulher de 40 e 50 anos que no passado não podia usar o cabelo comprido não é a mesma de hoje.
O fio das convenções
A historiadora Denise Bernuzzi de Sant'Anna, autora deCorpos de Passagem e Políticas do Corpo, identifica as raízes dessa mudança nos anos 1960: data desta época a popularização do creme rinse, que permitia manter os cabelos soltos e tratados, e também a valorização do corpo e da aparência descontraída, que levou mulheres a tirar os grampos, desfazer os coques e a investir em tratamentos de beleza e rejuvenescimento facial. Por fim, especialmente no Brasil, destaca Denise, a valorização do cabelo comprido estaria associada à essa valorização da juventude. Nesse sentido, a historiadora não vê a opção de manter os cabelos longos depois dos 50 necessariamente como uma contestação — poderia também ser percebida como uma tentativa de se enquadrar no universo das mulheres mais jovens ou mesmo uma resposta ao desejo masculino de uma mulher mais misteriosa, disponível. Contudo, faz uma ressalva:
— Vejo como resistência a um conformismo de que a mulher, em uma determinada idade, deve ter o cabelo assim ou assado e se dobrar às convenções e ao esperado.
Eis o desafio que se impõe para as mulheres que chegam à maturidade no século 21: construir novos parâmetros sem repetir tabus das gerações passadas ou se deixar levar pelo culto à juventude.
— Essa mulher tem que aprender como desconstruir uma cultura que quer que ela seja muito jovem e ver o que lhe faz bem: como ser jovial, o que não quer dizer jovem - observa a psicanalista Dorli Kamkhagi. — Não tem que estar toda retocada, botocada. Não é uma recusa do envelhecimento, mas outra forma de abraçar o envelhecimento.
Para a psicanalista, os cabelos compridos funcionam também como uma moldura para essa nova trajetória. Mas, se for para subveter o esperado de forma contundente, precisaria mudar a cor da moldura, provoca a historiadora Denise Bernuzzi de Sant'Anna:
— Deixar os cabelos brancos seria quebrar o tabu de ser jovem 24 horas.
Depoimentos

"A mulher chega aos 50 anos querendo se sentir bem com seu corpo, cortar amarras, e o cabelo acompanha isso."
Dorli Kamkhagi, psicanalista, 56 anos

"Em time que está ganhando não se mexe. O cabelo comprido está me favorecendo, é como uma moldura."
Flávia Weber, publicitária, 53 anos

"Nunca parei para pensar que tenho de cortar o cabelo para ficar mais adequada ao que os outros pensam. A mulher mudou."
Zulma Veloz, procuradora do Ministério Público do Trabalho, 53 anos
Para emoldurar o rosto
Dica dos cabeleireiros top Hugo Moser e Wanderley Nunes para mulheres maduras que desejam ter cabelos compridos: um corte desestruturado, com mechas mais curtas na frente, dá mais leveza e movimento. Já um cabelo reto pode pesar a fisionomia.
Saiba mais
Como escreveu a renomada historiadora francesa Michelle Perrot, no livro Minha História das Mulheres: "Os cabelos das mulheres são uma questão em pauta. Como se o destino do mundo repousasse sobre suas cabeças".
:: É milenar a tendência de considerar o cabelo das mulheres um símbolo de sensualidade. Por muitos anos, cabelos compridos e/ou soltos representavam o desvelamento da mulher, mais à vontade para receber o homem. Desse imaginário derivam interdições e convenções, como o uso do véu entre as mulheres muçulmanas e a própria associação entre madeixas longas, sexualidade e juventude.
:: No século 19, mulheres de respeito, cobriam a cabeça com chapéus. Havia ainda a convenção que determinava prender os cabelos em diferentes penteados. No Brasil Colônia, por exemplo, as sinhás tiravam os grampos e soltavam as madeixas só na intimidade, para o marido.
:: Raspar o cabelo das mulheres é uma sanção largamente utilizada ao longo da história, como uma imposição aos vencidos: assim foi com as feiticeiras perseguidas na Idade Média e com as francesas acusadas de colaboração aos nazistas, depois da ocupação.
:: Por influência do movimento feminista, que encurtou saias e aboliu o espartilho, as mulheres começaram a cortar os cabelos a partir de 1900. Os cabelos curtos, que se tornaram tão característicos dos chamados Anos Loucos, as décadas de 20 e 30, tinham ainda outro incentivo: eram mais práticos para as mulheres que ocupavam as vagas deixadas pelos homens durante a I Guerra Mundial. Naquele momento, cortar os cabelos significava uma adesão ao universo que então parecia restrito aos homens, da velocidade, da agilidade e da modernidade.
Fontes: Denise Bernuzzi de Sant'Anna, doutora em História e autora de Corpos de Passagem e Políticas do Corpo, e livro Minha História das Mulheres, de Michelle Perrot.
DONNA ZH

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